Cuidado, Zehzeira! marca o eterno retorno do malandro e do samba de hoje e de outrora

La vida és sueño, já nos dizia o Calderón de La Barca, desde o barroco – La Barca, antes de ser título de bolero latino, foi um dito cujo de classe média do séc. XVII que, pasmem, viveu até os 81. Já Moreira da Silva, o eterno Kid Morengueira, vaticinava: Eu quero é ver gordura, porque a banha tá cara! E vegetal, por causa do colesterol… Viveu até os 98! Como malandro que é malandro não denuncia o outro, espera para tirar a forra, anunciamos, na durindana nossa de cada dia, nos danem outros, que o samba de breque e sincopado está vivo, obrigado! Com Cuidado, Zehzeira! Seu primeiro álbum, Zeh Gustavo reverencia seus mestres e ancestrais e arrisca tocar o legado adiante, com suas próprias composições. É o eterno retorno do samba que não morre jamais, malgrado o sequestro epistemológico que o mercado tenta fazer, via  pagonejo, em nome do entretenimento mais imediato – e também descartável!

O álbum compreende 12 faixas, 3 delas antes lançadas como singles: a regravação de Beto bom de bola, do gênio da bossa nova e da música de protesto, Sérgio Ricardo; Mignon com queijo magro (espécie de Manifesto Antigourmetização, parceria de Zeh com Marcelo Bizar); e Santo Guerreiro, composição da sambista maranhense Patativa, a única que a gravara, até então, acompanhada de ninguém menos que Zeca Baleiro. A faixa que nos serve de mote para o título do álbum é outra regravação: Rei do gatilho, de Miguel Gustavo – um samba de breque, o estilo homenageado. Ainda que basicamente autoral e contando com diversa musicalidade (tem maxixe, tem samba de roda, tem ponto cantado!), o projeto tenta ir além do pessoal: trata-se de falar de um ritmo, o samba de breque e seu irmão gêmeo, o sincopado, negligenciados, quase banidos, esteticamente marginais por excelência.

Longe vai-se o tempo em que essa espécie de samba-crônica, que flerta com o surreal, com o teatro do absurdo, com o improviso mais comezinho da cultura popular, que tem suas bases no choro, recebeu acolhida. Luís Barbosa foi seu precursor e ao longo da história contamos poucos continuadores, entre os quais se destacam Moreira da Silva, Jorge Veiga e Nei Lopes, além do compositor, quase xará, Miguel Gustavo. Os geniais Wilson Baptista e Geraldo Pereira também eram experts no assunto. Fato é que o samba de breque vive sempre num lusco-fusco, em fases: ascende na década de 1930, some, volta com tudo e repaginado na de 1950, some, se reergue com um Morengueira pedra (19)90. E hoje está sumido, novamente.

É sobre isso, e muito mais! O breque, a síncope, esse arrastar e voltar de um verso e do fraseado, na transa com o próximo ou o antecessor, consiste, antes de mais nada, em um fundamento do samba. Gravado no WM Estúdio, com a técnica aos cuidados de Wellington Monteiro, violinista sete cordas de Martinho da Vila, Cuidado, Zehzeira! conta com as participações especialíssimas dos cantores Mingo Silva, Paulinha Diniz e Didu Nogueira, com um timaço de instrumentistas e arranjos e direção musical de Daniel Delavusca.

 

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